Conselhos para a vida em "David Copperfield" de Charles Dickens

"Deixar para depois rouba o tempo. Amarre o tempo!"

Cada dia traz suas próprias preocupações e confesso que ver a vida por uma perspectiva negativa muitas vezes é o meu caminho natural, mas não o que escolho!

A perspectiva com que se vê a vida influencia os pensamentos e decisões que tomamos. Ver o lado bom em dias difíceis pode ser trabalhoso, mas quando temos convicções firmes, o fardo se torna mais leve, especialmente quando a fonte dessas convicções é boa. Para além da Bíblia, que é o meu primeiro manual e refúgio, a Literatura tem sido um bom lugar para colher esperança, sábios conselhos e renovo para a alma.

Charles Dickens, escritor inglês do século XIX, foi um dos mais importantes romancistas que já existiu. Suas obras tem uma escrita modesta, rica em boas histórias novelescas que enredam o leitor pela curiosidade e aconchego de acompanhar os seus personagens tão bem caracterizados. Em David Copperfield, um dos seus mais famosos livros e o preferido do próprio autor, não é diferente; acompanhar a jornada de amadurecimento do pequeno David foi uma das melhores experiências literárias que já tive, me deixou absorta em uma combinação de curiosidade, compaixão, angústia e um contentamento genuíno.

Neste livro pude encontrar também excelentes conselhos e percepções sobre a vida - alguns de forma mais direta e outros mais intrínsecos ao contexto da trama - que fazem parte do meu repertório de ensinamentos que tento aplicar à minha vida; e hoje, quero compartilhá-los com você, leitor.

A edição da qual retirei os quotes é a tradução em português do Brasil pela Penguin Companhia, portanto, vou deixar a seguir as páginas, caso você tenha a mesma e queira conferir (e se tiver interesse, aqui está um link para adquirir o livro).


Primeiro conselho: Procure consolo e conforto em bons livros

O protagonista David, desde sua mais tenra idade, sofria injustiças e maus tratos aplicados pelo seu padrasto e irmã, sr. e srta. Murdstone. Em meio a esse cenário, no entanto, o garoto encontrava consolo e esperança na leitura de bons livros.

"Acredito que eu teria me tornado quase estúpido não fosse por uma circunstância.

Era a seguinte. Meu pai havia deixado num quartinho de cima, ao qual eu tinha acesso (pois era adjacente ao meu), uma pequena coleção de livros com que ninguém mais na casa se importava. Desse abençoado quartinho saíram Roderick Random, o Peregrino Pickle, Humphrey Clinker, Tom Jones, O vigário de Wake Field, Dom Quixote, Gil Blas e Robinson Crusoé, um bando glorioso, para me fazer companhia. Eles mantiveram viva minha fantasia e minha esperança em alguma coisa além daquele tempo e lugar. Eles e As mil e uma noites e os Contos dos gênios, e nenhum mal me fizeram, pois o mal que houvesse em alguns deles não existia para mim, eu não tinha nada a ver com aquilo. Me surpreende hoje que tenha achado tempo, em meio a meus estudos e erros em temas mais pesados, para ler esses livros. Para mim é curioso como consegui me consolar de meus pequenos problemas (que eram grandes problemas para mim) encarnando meus personagens favoritos desses livros, como fiz, e colocando o sr. e a srta. Murdstone em todos os piores deles, como fiz também." (Página 84)


"Esse era meu único e constante consolo. Quando penso nisso, me vem sempre à mente a imagem de uma noite de verão, os meninos brincando no pátio da igreja e eu sentado em minha cama, lendo como se fosse para salvar a vida." (Página 85)


Segundo conselho: Faça hoje

O velho ditado já dizia "não deixe para fazer amanhã o que se pode fazer hoje". Não posso numerar quantas vezes já ouvi isso da minha mãe, e você talvez também tenha tido a mesma experiência. Um dos personagens mais memoráveis e divertidos deste livro, o sr. Micawber, relembra esse conselho.

"(...) nunca deixe para amanhã o que pode fazer hoje. Deixar para depois rouba o tempo. Amarre o tempo!" (Página 234)


Terceiro conselho: Gaste em proporção ao que ganha

O sr. Micawber, falando por experiência própria de alguém que viveu boa parte da vida endividado e sendo perseguido por cobradores, aconselha David a fazer diferente.

"Renda anual de vinte libras, gasto anual de dezenove e noventa e seis, resulta em felicidade. Renda anual de vinte libras, gasto anual de vinte libras e seis xelins, resulta em miséria. O botão murcha, a folha seca, e Deus se retira de cena... Em resumo, fica-se para sempre no chão, como eu!" (Páginas 234 e 235)


Quarto conselho: Aprecie e seja grato pelas pequenas bênçãos

Mesmo em meio ao caos e aos desafios, sempre haverá algo pelo qual agradecer e uma beleza a se contemplar nos mínimos detalhes, seja o sol que nasceu mais uma vez, o cantar dos pássaros, o cheiro do café pela manhã, ou a brisa suave que vem num dia de calor.


"O quarto era agradável, no alto da casa, dando para o mar, no qual a lua se refletia, brilhante. Depois das orações, a vela se apagou e me lembro de ter continuado a olhar o luar na água, como se quisesse ler minha sorte ali, como num livro luminoso; ou ver minha mãe com seu filhinho, descendo do céu por aquele caminho brilhante para cuidar de mim como cuidou quando vi pela última vez seu doce rosto. Me lembro da solenidade com que por fim desviei os olhos, cedi à sensação de gratidão e descanso que a visão da cama com cortinas brancas inspirava - e muito mais ainda de deitar naquela maciez, aninhado nos lençóis brancos como a neve! Me lembro que pensei em todos os lugares solitários onde havido dormido sob o céu noturno e como rezei para nunca mais ficar sem teto, nunca mais me esquecer dos sem-teto. Me lembro que parecia flutuar então pela glória melancólica daquele caminho sobre o mar, até um mundo de sonhos." (Páginas 263 e 264)


Quinto conselho: A aparência pode ser apenas um disfarce

Não é à toa que, em filmes e séries de mistério e investigação, o mocinho ou mocinha bonitos costumam não ser os primeiros na lista de suspeitos; mas, uma carinha bonita pode ser o "disfarce" de um criminoso. O contrário também se faz verdade, uma aparência pouco formosa não determina o caráter e o coração.

"Tente não associar defeitos físicos a defeitos morais, meu bom amigo, a não ser por alguma razão muito sólida." (Página 594)


Sexto conselho: Seja modesto quando tudo estiver indo bem

Mostrar nossas conquistas e evidências de sucesso pode ser uma tentação grande quando dias bons chegam ou elogios nos são conferidos, mas, será que isso vale a pena? O orgulho nunca foi boa coisa, pois muitas vezes fez de alguém, até então amável, tornar-se em um esnobe e estúpido.

"Em minha observação da natureza humana, sempre soube que um homem que tem alguma boa razão para acreditar em si mesmo não deve se exibir diante dos outros para que acreditem nele. Por essa razão, me conservei modesto a respeito de mim mesmo, e quanto mais elogios recebia, mais fazia por merecê-los." (Página 879)


Sétimo conselho: Sucesso tem a ver com esforço e integridade

Muitas histórias por aí nos lembram que talento nunca foi o fator decisivo para o sucesso. Aqueles que conquistam seus objetivos podem até contar com uma pitada de sorte, mas, com certeza, também houve muita dedicação e perseverança.

"Tive muita sorte em questões do mundo; muitos homens trabalharam muito mais duro e não obtiveram nem a metade do meu sucesso. Mas eu nunca poderia ter feito o que fiz sem os hábitos de pontualidade, ordem e diligência, sem a determinação de me concentrar em um objetivo de cada vez, por mais depressa que viesse o objetivo a seguir, que eu então definia." (Página 774)


"Ouso dizer que não possuo nenhum dom natural de que tenha abusado. Quero dizer apenas que, tudo o que tentei na vida, tentei com todo o coração fazer bem; que tudo a que me dediquei, me dediquei completamente; que nos grandes e pequenos objetivos, sempre avancei com empenho. Nunca acreditei possível que qualquer habilidade natural ou aprimorada pudesse pretender ser imune à companhia das qualidades de firmeza, simplicidade e trabalho duro, e esperar conquistar seu fim. Não existe algo como essa realização nesta terra.

Algum talento fortuito, alguma oportunidade privilegiada, podem dar forma aos dois lados da escada por onde alguns homens sobem, mas as voltas dessa escada devem ser feitas para suportar desgaste e danos; e não existe substituto para dedicação, ardente e sincero empenho. Concluo agora que nunca pôr as mãos em algo que não pudesse me lançar por inteiro, e nunca depreciar o meu trabalho, fosse qual fosse, foram as minhas regras de ouro." (Páginas 774 e 775)


Dickens caprichou nos conselhos, não concorda? Se você também tiver alguns quotes favoritos de livros que são bons conselhos, deixa aqui nos comentários. 

Um beijo e até mais.
Társila Beatrice

Postagens mais visitadas